Covid-19: biodiversidade, culpabilização e informações epidemiológicas
Fonte da imagem: site https://nossaciencia.com.br/noticias/queimadas-provocam-desertificacao-na-caatinga-e-no-cerrado/
As ações humanas com suas variáveis formas de modificação dos ecossistemas, como o desmatamento, estão moldando a forma como os seres vivos, sejam plantas, animais, bactérias, vírus ou qualquer outro tipo de espécie se adaptem e fiquem mais resistentes no meio ambiente.
A profa. Dra. Lilian Catenacci do curso de Medicina Veterinária explica que nosso impacto negativo no planeta tem uma reverberação como o que estamos vivendo com a pandemia do novo coronavírus. "Nós estamos tendo capacidade de mudar a era por conta de nossos impactos na terra”, explica.
De acordo com o Relatório Anual de Desmatamento, organizado pelo projeto Map Biomas divulgado no mês de maio de 2020 destaca que, a Amazônia e o Cerrado somam 96,7% da área desmatada em 2019 e que somando todos os biomas, apenas 0,5% da área de desmatamento está dentro da legalidade.
Profa. Dra. Lilian Catenacci
Segundo Lilian, a comunidade científica tem mostrado que o desmatamento, o uso desordenado do subsolo, a construção de represas e de rodovias, a colonização humana e a urbanização, o avanço da monocultura são as principais modificações ambientais introduzidas pelo homem e que estão associadas à emergência ou reemergencia de viroses.
A especialista explica que as mudanças na biodiversidade atuam eliminando espécies e reduz os processos ecológicos dos ecossistemas e afetam diretamente na relação patógeno e hospedeiro aumentando os riscos para a saúde da população numa grande escala.
"Infelizmente estamos diminuindo a biodiversidade, estamos desmatando e promovendo a amplificação doméstica. Os animais estão cada vez chegando próximo da gente por causa do desmatamento e esses vírus podem avançar para uma espécie doméstica, mutando e se adaptando a esta espécie doméstica. Se o vírus consegue se adaptar a um humano está feita a pandemia”, ressalta.
Diante desta problemática, Lilian Catenacci enfatiza a importância da prevenção da biodiversidade, por meio da saúde única.
"É importante estudar saúde única para entender os fatores de doença e as relações de doenças dos animais, das pessoas e o meio ambiente. Hoje, o que se espera é que nós possamos ter profissionais de diferentes carreiras e sociedade civil envolvidas para que o planeta tenha a saúde das pessoas relacionadas com a saúde do ambiente e de outros animais", explica.
A especialista em saúde única explica também que a biodiversidade e saúde estão interligados.
" Nós não conseguimos desvincular biodiversidade de saúde, pois a biodiversidade é importante para todos os recursos ecossistêmicos que todos dependemos, seja de abastecimento (comida, medicamentos, energias); regulação (purificação da água, decomposição, regulação do clima, regulação de parasitos e vetores); de suporte (ciclagem de nutrientes, polinização, formação dos solos, produção primária) e cultural (estético, espiritual, psicológico e contato com a natureza). A Saúde Única trabalha nesta relação não dá pra desvincular qualidade da água, com qualidade da nossa saúde e com qualidade dos animais que, por exemplo, vivem naquela área, está tudo relacionado.
Lilian afirma que se não trabalharmos com essa visão mais ampla, vamos ficar em um ciclo de sair epidemias. "As enfermidades fazem parte do sistema ecológico. Existe uma interação entre um vetor, doença, reservatório, patógeno, hospedeiro, se a gente não entende todo este contexto nós vamos estar tratando uma pessoa e deixando de lado o que está causando aquilo da pessoa", ressalta.
A culpa é do morcego?
A pesquisadora Daniela Reis de Freitas, Pós-doutora na área de Ciências Médicas e professora de Parasitologia da Universidade Federal do Piauí, destaca que várias pesquisas científicas abordam que as atividades humanas que afetam o meio ambiente podem influenciar na disseminação do novo coronavírus entre os animais silvestres, e deles aos humanos e aos animais domésticos.
"Apontar o animal silvestre (o morcego) é dizer que a culpa é do outro. O animal silvestre é uma vítima, ele está sofrendo o impacto da ação do homem, o grande culpado de tudo isso, pois ele destrói o ambiente, preda a espécie que está servindo de hospedeiro para microorganismos, microfauna e microflora e tem provocado diversos problemas à saúde humana”, explica.
Profa. Dra. Daniela Reis de Freitas
Culpabilizar a população pela pandemia?
Daniela aponta para outra questão relacionada a culpabilizar a vítima. Segundo a especialista há um efeito perverso na disseminação de informação e na educação em saúde da população que resulta em efeitos não desejados e que criam efeitos adversos para saúde humana.
É muito difícil você fazer o isolamento social, se o próprio Governo Federal tira de si a responsabilidade de falar para pessoas ficarem em casa. E diz o contrário, diz que o isolamento social não é necessário, que é apenas uma gripezinha. E quando as pessoas contraem a doença, a culpa passa a ser das pessoas, pois não tomaram os devidas precauções ou não tem histórico de atleta, o que deixa uma situação muito complicada para os governos estadual e municipal, que ficam com o "abacaxi para descascar", pois eles tem que administrar as UTIs, a saúde local, que não tem o amparo do Governo Federal, não tem respiradores, não tem medicamentos necessários, não tem muitas vezes equipe necessária”, disse.
Culpabilizar a vítima alegando falta de consciência da população e consequentemente ausência de ajuda na prevenção e combate ao coronavírus é uma forma silenciosa de não apropriação das responsabilidades, direitos e deveres, tanto do âmbito privado como do público.
"Ao culpar a vítima, você se exime de tomar uma atitude, consertar problemas graves de longas datas, como por exemplo, saneamento básico, habitação adequada, desigualdade nos serviços em saúde ou culpar a vítima, porque ela é doente e não dar assistência médica necessária é desrespeitar o direito universal à saúde, é aumentar a vulnerabilidade dos indivíduos e da população a doenças como a covid-19 e complicações em sua prevenção e controle”, disse.
Além disso, o próprio Estado pode violar direitos da população por omissão ou por falta de vontade política para garantir tais direitos.
Prof. Dr. Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas
O Prof. Dr. Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas, Docente do Departamento de Medicina Comunitária apontou uma violação recente do Estado, a omissão de informações do governo na plataforma do Ministério da Saúde. O pesquisador explica que esta ação não foi visto de maneira positiva.
"Ao tentar mudar o painel de informações sobre a COVID-19 em pleno curso da epidemia no Brasil, o Ministério da Saúde foi na contramão dos demais países. Então, mudar a forma de apresentação dos dados para diferente de um padrão seguido por outras nações e institutos de pesquisa, prejudica o monitoramento dos casos e de mortes por COVID-19, dando uma falsa sensação de controle da situação. Durante o enfrentamento de epidemias ou emergências em saúde pública, é fundamental que os governos de todas as esferas hajam com transparência para que a população saiba a dimensão do problema e que possa confiar nas recomendações governamentais”, destaca.
A importância dos estudos epidemiológicos
Márcio Mascarenhas explica que os estudos epidemiológicos são fundamentais para conhecer as características, magnitude, formas de transmissão e disseminação de doenças.
"Por meio dessas informações, os profissionais e serviços de saúde podem desenvolver tratamentos eficazes, planejar o atendimento em saúde e propor medidas de prevenção e controle de doenças. Eles também ajudam como uma fonte de informação para a comunidade científica que pode transformar os resultados de seus estudos em informação útil e compreensível para a população em geral"” explica.
O especialista explica ainda que os estudos epidemiológicos são fundamentais para o enfrentamento de todas as doenças. "A descoberta e a descrição de novas doenças como a COVID-19 iniciam com a caracterização dos primeiros casos, com a descrição dos sinais e sintomas, características dos afetados, doentes, curados e óbitos. Essas informações epidemiológicas junto aos estudos da clínica e exames laboratoriais são fundamentais para a identificação de novas doenças e para a realização de novas pesquisas sobre tratamento e desenvolvimento de vacinas”, finaliza.