Desconstruindo a “supermaconha”: professores da UFPI propõem revisão científica e crítica a termo popularizado pela mídia e pelo sistema de justiça

Foto mostra uma das rotatórias do Campus Ministro Petrônio Portella. Foto: Arquivo SCS/UFPI

Nos últimos anos, o termo “supermaconha” ganhou espaço em reportagens, discursos jurídicos e análises toxicológicas como sinônimo de variedades de Cannabis com altos teores de THC, principal composto psicoativo da planta. A expressão, porém, carrega um tom sensacionalista que reforça estigmas e desinformações sobre a Cannabis e suas diversas aplicações. Mas será que esse termo tem fundamento científico?

Em artigo publicado recentemente na Revista Delos, o professor do curso de Administração do Centro de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Piauí (CCHL/UFPI), Paulo Jordão de Oliveira Cerqueira Fortes, propõe uma revisão crítica desse conceito e alerta para os riscos de adotar termos populares sem embasamento técnico. Segundo ele, o interesse pelo tema surgiu ao observar o uso recorrente da palavra “supermaconha” em processos judiciais e discursos policiais para intensificar a ideia de periculosidade da planta.

“A opinião pública é fortemente moldada pela mídia, que utiliza esse termo para sugerir que se trata de uma Cannabis com maior poder entorpecente. Isso gera dois efeitos. Para quem não conhece a planta, cria-se a impressão de que existe uma droga muito mais perigosa e que as pessoas estão em risco. Já para quem conhece a Cannabis, cultivadores, pesquisadores, associações medicinais e pacientes autorizados judicialmente, fica evidente o desconhecimento generalizado por parte das forças policiais, do Judiciário e até mesmo de órgãos governamentais sobre como a planta realmente deve ser classificada”, afirma o professor.

Estudo de professores da UFPI propõe revisão científica. Foto: divulgação

Com base nessa análise, o estudo defende a substituição do termo “supermaconha” por classificações científicas adequadas, como quimiotipos e quimiovares, que consideram a composição química da planta de forma precisa, livre de conotações pejorativas ou sensacionalistas.

Outro ponto destacado é a valorização das genéticas crioulas brasileiras, ainda pouco estudadas e frequentemente negligenciadas em pesquisas e políticas públicas. Para Paulo Jordão, essas variedades representam um patrimônio genético de grande relevância, com potencial para usos medicinais, agrícolas e científicos.

“O maior desafio foi lidar com a multidisciplinaridade. Para tratar desse tema, foi necessário articular conhecimentos do direito, da administração, da química, da farmácia e da biologia. Apesar da complexidade, a universidade é o espaço adequado para integrar essas áreas e enfrentar esse tipo de desafio”, explica o pesquisador.

O artigo também ressalta a importância do aproveitamento de plantas macho tropicais em programas de cruzamento, estratégia capaz de ampliar a diversidade genética da Cannabis cultivada no Brasil e de respeitar as características adaptativas de cada região.

Segundo o professor, esse trabalho poderia ser viabilizado por meio de parcerias entre as forças de segurança e universidades:

“Em vez de serem destruídos, os exemplares apreendidos poderiam ser preservados e catalogados em herbários dos cursos de biologia. Esse material genético, devidamente registrado, contribuiria para pesquisas científicas e ajudaria a garantir que a diversidade da Cannabis não seja perdida.”

Ao final, o estudo defende uma abordagem técnica, desestigmatizada e baseada em evidências para o estudo e uso da Cannabis. Para Paulo Jordão, abandonar rótulos imprecisos como “supermaconha” é um passo fundamental para o avanço de políticas públicas informadas e para a valorização do conhecimento científico e tradicional sobre a planta.

O estudo também contou com a autoria de Nelson Leal Alencar, Mauricio Pires de Moura Amaral, João Sammy Nery de Souza, Fábio Carvalho França e Lívio César Cunha Nunes. Além da contribuição do Núcleo de Pesquisa em Cannabis e Agronegócios da UFPI (AGROCAN).