Estudo utiliza extrato seco de Morus nigra L.
A pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Piauí (UFPI) trouxe uma proposta inovadora: cápsulas gastrorresistentes com extrato seco padronizado de Morus nigra L. (amora-preta), com potencial para atuar como adjuvante no tratamento do Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2). O estudo realizado no âmbito do doutorado por Grasielly Rocha Souza, sob orientação do professor Lívio César Cunha Nunes, teve sua defesa no dia 9 de maio. A apresentação aconteceu no Núcleo de Tecnologia Farmacêutica - NTF e atraiu atenção pela proposta de integrar tecnologia farmacêutica e fitoterapia baseada em evidências.
O estudo envolveu desde uma prospecção científica e tecnológica em bases internacionais até a obtenção de uma formulação sólida com liberação intestinal dos compostos bioativos da planta. Segundo Grasielly, a escolha da Morus nigra foi criteriosa. “Durante a prospecção científica e tecnológica, priorizou-se a consulta a bases consolidadas — PubMed, Web of Science e Scopus — e aos principais bancos de patentes internacionais, como EPO, WIPO, USPTO e o banco nacional INPI. Os critérios de inclusão foram definidos com base na relevância do conteúdo para o uso de Morus nigra em modelos animais de diabetes mellitus tipo 2 e dislipidemias”, afirmou a doutoranda.
Já o orientador, professor Lívio César Cunha Nunes, destacou os motivos que nortearam a escolha da planta. “A escolha da espécie Morus nigra foi fundamentada em sua ampla utilização na medicina tradicional, especialmente no manejo do diabetes e dislipidemias, além de estar incluída na Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse do SUS (RENISUS), o que destaca seu potencial terapêutico no contexto da saúde pública”, explicou o professor.
Sistema desenvolvido para extração de propriedades das plantas
A pesquisa utilizou técnicas de extração otimizadas por planejamento fatorial e secagem em spray-dryer, resultando em um extrato seco rico em ácido clorogênico — composto selecionado como marcador químico do produto. “O ácido clorogênico foi selecionado como marcador químico por reunir critérios essenciais de representatividade, estabilidade e viabilidade analítica. Este composto fenólico foi identificado de forma consistente em todos os extratos obtidos das folhas de Morus nigra, tanto fluidos quanto secos, independentemente das condições de extração e secagem aplicadas, o que confirma sua ubiquidade na matriz vegetal”, destacou Grasielly.
Grasielly Rocha Souza ao lado de sua banca de doutorado
Segundo a pesquisadora, o maior desafio foi manter a estabilidade dos compostos durante o processo térmico da secagem. “Compostos fenólicos, como o ácido clorogênico, são sensíveis à alta temperatura, o que pode levar à sua degradação durante a secagem. Para contornar isso, adotamos temperaturas moderadas e utilizamos adjuvantes que melhoraram a dispersão e proteção térmica durante o processo, mantendo a integridade dos compostos bioativos.”, relatou.
O resultado superou as expectativas, com alta atividade antioxidante (CE50 = 3,52 µg/mL) comparável ao ácido ascórbico. As cápsulas desenvolvidas possuem revestimento gastrorresistente, garantindo que os compostos só sejam liberados no intestino, onde exercem seus efeitos, Grasielly revelou ainda que, a forma gastrorresistente foi escolhida estrategicamente para evitar a liberação dos compostos polifenólicos no pH ácido do estômago e acontecer de forma integral no intestino, onde a inibição da enzima α-glicosidase ocorre na borda em escova dos enterócitos. E que para estudos futuros, está pensando testar outras formas de liberação controlada, que poderiam otimizar ainda mais a biodisponibilidade dos compostos ativos.
Do ponto de vista do impacto social e prático, o professor Lívio Nunes ressaltou a relevância da pesquisa. “A Morus nigra é uma espécie reconhecida pelo Ministério da Saúde e consta na RENISUS, o que a torna elegível para inclusão em programas municipais de fitoterapia e, futuramente, em estratégias de promoção da saúde no SUS. Com os devidos testes clínicos, a formulação poderá compor o arsenal terapêutico complementar para o diabetes tipo 2, além de ser empregada como suplemento alimentar funcional em políticas de prevenção, especialmente no manejo do pré-diabetes, dislipidemias e resistência insulínica.”, afirmou.
O projeto já conta com parcerias com a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) na pessoa do pesquisador Jackson Guedes que teve decisiva participação no projeto bem como da startup Fitofit - Suplementos e Produtos Naturais. Há também previsão para início de estudos pré-clínicos. “O extrato está pronto para ser testado em modelos animais, o que é essencial para o registro na Anvisa. Mas, como suplemento funcional, ele já pode ter aplicação preventiva em grupos de risco, como pessoas com obesidade e resistência à insulina”, explicou o professor.
Por último, o professor Lívio César Cunha Nunes reforça que com 185 páginas e uma base científica sólida, a tese de Grasielly Rocha Souza cumpre sua função acadêmica e sinaliza caminhos promissores para o futuro da fitoterapia baseada em evidências no Brasil.