Emanoelle Fernandes Silva defendeu sua tese de doutorado no dia 7 de maio com um projeto que une acessibilidade e saúde pública
Promover a inclusão por meio da ciência. Foi com esse propósito que a doutoranda Emanoelle Fernandes Silva, do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI), defendeu no último dia 7 de maio, no Auditório da Pós-Graduação em Enfermagem, sua tese de doutorado intitulada: "Desenvolvimento e validação de um vídeo educativo na Língua Brasileira de Sinais sobre o HIV para pessoas surdas". A pesquisa teve orientação da professora Rosilane de L. Brito Magalhães.
O trabalho, pioneiro no estado, une duas áreas fundamentais: enfermagem e acessibilidade em saúde, com foco na população surda, historicamente marginalizada nos espaços de cuidado. O vídeo desenvolvido é inteiramente em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e foi elaborado com rigor metodológico para garantir tanto a efetividade do conteúdo quanto sua validade como ferramenta educativa.
Emanoelle Fernandes Silvam durante sua defesa de doutorado
A ideia de desenvolver o projeto nasceu ainda na graduação de Emanoelle, que tem formação técnica em Tradução e Interpretação de Libras pelo SENAC. “Eu concluí esse curso no mesmo ano em que entrei no curso de Enfermagem, então atuei por um tempo como intérprete. Quando decidi seguir no mestrado e no doutorado, já sabia que queria desenvolver algo voltado à população surda”, explica a pesquisadora.
A oportunidade de unir esse desejo à realidade científica surgiu a partir da sua participação em um grupo de pesquisa sobre populações vulneráveis e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), com foco no HIV. A partir disso, nasceu o projeto do vídeo educativo.
Segundo Emanoelle, o vídeo é um recurso essencial para romper barreiras de comunicação que impedem o acesso de pessoas surdas à informação em saúde. “Na área da saúde, a comunicação é essencial. Se eu não entendo o que o outro sente ou precisa, como posso ajudá-lo? As pessoas surdas muitas vezes não têm acesso nem ao básico por falta de preparo dos profissionais”, relata.
O processo de produção do vídeo foi dividido em três etapas: pré-produção, produção e pós-produção. Na fase inicial, foi elaborado um roteiro com base em informações validadas por especialistas em HIV e por educadores de surdos. O enredo traz uma personagem surda que busca informações em um serviço de saúde, sendo atendida por um enfermeiro também surdo — interpretado por um estudante da própria UFPI. Toda a gravação foi feita com foco na fluência em Libras e no uso da língua como L1, ou seja, como idioma principal de quem assiste.
Após finalizado, o vídeo foi submetido à avaliação do público-alvo: pessoas surdas. “Foi fundamental saber que eles consideraram o conteúdo adequado para a comunicação e para o aprendizado. Isso confirma que estamos no caminho certo”, afirma a doutoranda.
A intenção agora é divulgar amplamente o vídeo nas redes sociais e buscar parcerias com instituições públicas para que a produção alcance ainda mais pessoas. “Queremos apresentar o vídeo à Fundação Municipal de Saúde de Teresina e à Associação de Surdos de Teresina, para que ele possa ser usado como ferramenta em atendimentos e atividades educativas”, completa.
Para Emanoelle, o sentimento é de realização: “Idealizei esse projeto ainda na graduação, mas a pandemia atrasou os planos. Agora, com a conclusão no doutorado, eu vejo o quanto ele pode fazer diferença. A população surda merece ter acesso à informação de forma acessível e isso precisa ser prioridade nas políticas públicas de saúde, educação e cidadania”.
Ao centro da foto, a orientadora do trabalho, a professora Rosilane Magalhães
A professora Rosilane Magalhães, orientadora da pesquisa e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Doenças Infecciosas e outros Agravos (GEDI/CNPq), conta que o interesse pela inclusão da população surda começou em 2019, quando o grupo realizou um evento sobre hepatite B com participação ativa de surdos. “A fala deles, sobre a ausência de comunicação com os profissionais de saúde, me tocou profundamente”, lembra.
Segundo ela, o conhecimento prévio de Emanoelle em Libras foi essencial para o sucesso do projeto. “Trabalhar com populações-chave exige sensibilidade e preparo. A contribuição dessa pesquisa para a ciência é imensa, pois coloca a acessibilidade como prioridade. Precisamos investir na qualificação de profissionais desde a graduação para garantir que essas barreiras sejam superadas”, defende.
Para além da conclusão acadêmica, o trabalho de Emanoelle e sua orientadora reacende um debate urgente sobre direitos, visibilidade e inclusão da comunidade surda. “A inclusão e a acessibilidade precisam ser pensadas de forma ampla — na ciência, na política, na saúde, na educação. Essa população existe, resiste e precisa ser ouvida, na sua própria língua”, conclui Rosilane.