Pesquisadores da UFPI participam de descoberta de cemitério de povos originários que viveram entre 10.000 e 2.000 atrás na Bahia
Fragmento de boneca (ou anjo) em porcelana escavado junto com uma criança do período colonial. (Foto: acervo Totem Arqueologia)
Desde abril de 2024, o Laboratório de Osteoarqueologia da Universidade Federal do Piauí (LOA-UFPI), juntamente com os discentes e docentes da graduação/pós-graduação em Arqueologia, colabora para achados de relevância social e histórica em projeto que localizou cemitério colonial ao lado de uma igreja no município de Cachoeira na Bahia. Por meio de descoberta de alunas da Instituição, a pesquisa localizou-se também um cemitério de povos originários situado abaixo do cemitério histórico. Este tipo de cemitério, chamado de sambaqui, remonta há milhares de anos antes do presente. Os estudos revelam preceitos da vida, morte e amor da comunidade em suas respectivas épocas, por meio de pessoas enterradas no local.
O trabalho faz parte de parceria público-privada com a Totem Arqueologia, empresa piauiense, e a CONDER (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado), empresa vinculada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano da Bahia no projeto de intervenção arqueológica do Sítio Arqueológico da Igreja Matriz de Santiago do Iguape, Bahia. A iniciativa coordenada pela Doutora Rosivânia Aquino (Totem), diante da necessidade de consultoria especializada nesse tipo de sítio, buscou apoio junto ao LOA-UFPI.
Níveis arqueológicos do Sambaqui da Praça dos pescadores sob o cemitério cristão. (Foto: acervo Totem Arqueologia)
A pesquisa que se iniciou em abril, passou por uma pausa com retorno ainda em setembro deste ano, de lá para cá acadêmicos da UFPI tiveram descobertas fantásticas, bem como oportunidades. “Desde abril esse convênio possibilitou a implementação de um curso prático de Arqueologia Funerária em campo no qual alunos da UFPI e da UNIVASF participaram. Também conseguimos bolsas de pesquisa para trabalho em campo e em laboratório para alunos da graduação e da pós-graduação da UFPI”, disse a Professora Claudia Cunha, coordenadora do LOA e bioarqueóloga responsável pelo estudo dos remanescentes humanos do sítio.
Bruna Brito, arqueóloga coordenadora de campo da fase atual da pesquisa, ex-aluna do PPGArq-UFPI, durante a escavação de um dos esqueletos coloniais da Igreja de Santiago do Iguape, Bahia. (Foto: acervo Totem Arqueologia).
O projeto já conseguiu encontrar muita informação sobre como era a vida das pessoas no período colonial na região da Bahia (Recôncavo Baiano). Em outubro, os integrantes dos estudos alcançaram níveis pré-coloniais com a descoberta de um sambaqui sob o cemitério cristão. “Isto é uma situação singular, pois temos um cemitério cristão sobre uma construção indígena, um sambaqui, que também serviu para o enterro de pessoas em período pré-colonial”, frisou Rosivânia Aquino, Coordenadora Geral do Projeto.
A Coordenadora Geral do Projeto destacou também que foi possível encontrar juntamente aos esqueletos pré-coloniais objetos feitos com ossos e dentes de animais, os quais faziam parte do cotidiano dessas pessoas e que provavelmente teriam significado religioso acerca de preceitos quanto a vida, bem como a morte.
Ponta de seta em osso polido encontrada junto a um dos indivíduos provavelmente pré-coloniais do Sítio Arqueológico da Igreja Matriz de Santiago do Iguape, Bahia. (Foto: acervo Totem Arqueologia)
Já com os indivíduos coloniais, foram encontrados objetos relacionados com as práticas religiosas cristãs, como crucifixos e contas de rosário. Também acharam-se artefatos que remetem às crenças de matriz africana, como contas de guias e figas, uma vez que a região tem na sua maioria população afrodescendente, sendo até os dias atuais fortemente marcada pela arte, cultura e religião afro.
Maria Victoria Costa Silva, aluna da graduação em Arqueologia da UFPI e bolsista do projeto em escavação de um dos indivíduos do Sítio Arqueológico da Igreja Matriz de Santiago do Iguape, Bahia. (Foto: acervo Totem Arqueologia)
Há ainda objetos que propiciam achados sobre aspectos mais íntimos do cotidiano e cultura religiosa dessas pessoas, como a descoberta de duas gestantes enterradas em proximidade, ressaltando-se a questão materna. “Na sepultura de uma criança, por exemplo, foi encontrado o que resta de uma boneca ou anjo cuja cabeça é feita de porcelana e o corpo de tecido que há muito degradou. O que vemos em um caso desses é uma evidência concreta do amor dos pais pela criança morta. O desejo era que fosse acompanhado por um objeto carregado de afeto”, ressaltou a Professora Claudia Cunha.
Ela finaliza: “É importante lembrar que no período pré-industrial, objetos como este seriam caros, herança de famílias passadas de uma geração para outra. Colocar isso no túmulo da criança é no mínimo tocante. Para a criança morta, a boneca foi sua última companheira”.
A iniciativa possui relevância, bem como marco histórico para a sociedade, ao resgatar uma história que não foi contada nos livros ou em qualquer fonte de estudo acerca da vida das pessoas enterradas em Santiago do Iguape (Bahia). Através dos ossos, pode-se ter uma noção de como era o dia a dia dessas comunidades, quais doenças os afligiam, a exemplo da lepra e sífilis, além da dureza do trabalho, na época em lavouras de cana-de-açúcar e pesca. Ademais, suas origens e como enxergavam a vida para além da morte.
Projeto ganha grande repercussão acadêmica
Ressalta-se que alunos da graduação e pós-graduação em Arqueologia (PPGArq/UFPI) possuirão acesso a materiais ricos em valor acadêmico e historicidade, os quais já demonstram relevância social. Como amostra de importância científica do projeto, o material, atualmente, é tema de dissertação de mestrado do PPGArq/UFPI em Antropologia Dentária do discente Alexandre Recaman Martins. O estudante irá investigar as informações demográficas e de saúde oral dos indivíduos do cemitério colonial e do sambaqui.
Além disso, em razão da dimensão e frutos históricos importantes da iniciativa, o LOA-UFPI realizará um convênio com o laboratório de DNA antigo da Emory University nos Estados Unidos, a fim de promover a análise genética das pessoas enterradas nos dois cemitérios (colonial e indígena), bem como dos patógenos responsáveis pelas doenças infecciosas que afetaram a comunidade.
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