Ao centro da foto, o cacique Francisco Sávio Silva Santos se torna o primeiro mestre indígena da UFPI
Na noite do dia 27 de agosto, indígenas do Povo Tabajara Alongá reuniam-se na Oca Sagrada da Aldeia Oiticica, zona rural de Piripiri. A reunião era para prestigiar um marco histórico para a comunidade: a defesa de dissertação do primeiro indígena a conquistar o título de mestre pela Universidade Federal do Piauí. O cacique Francisco Sávio Silva Santos recebia o título de mestre, com familiares e indígenas da aldeia acompanhando a sua defesa, trajando o seu cocar adornado de penas azuis e vermelhas. A defesa da pesquisa de Sávio na aldeia foi um pedido da própria comunidade para concluir o seu trabalho direto de sua terra, em volta de seus semelhantes. A noite terminou em festa, a aprovação depois foi comemorada com um jantar na comunidade para celebrar um membro da população indígena pós-graduado.
Francisco Sávio Silva Santos desenvolveu sua pesquisa no âmbito do PPG em Antropologia
Licenciado em Educação do Campo pela UFPI, Sávio sempre esteve ligado ao movimento estudantil e à defesa da Educação do Campo. Ingressou no mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGAnt) da UFPI em 2022, por meio do sistema de cotas para indígenas, quilombolas e quebradeiras de coco, implantado no PPGAnt em 2018. Sua trajetória também inclui atuação no Conselho Nacional de Política Indigenista, no Ministério dos Povos Indígenas, e a aprovação em concurso da FUNAI, onde atua na Frente de Proteção aos Indígenas Isolados em Rondônia. Sávio enfatiza que sua trajetória na academia é estímulo para a universidade ser um espaço com uma presença sucessiva dos povos originários. “Possibilita que outros indígenas possam acessar pós-graduação e que possam também se tornar mestres e futuros doutores dentro do Estado do Piauí”, destaca.
Sávio conta que o título de mestre é revolucionário para o acesso do ensino superior para os povos originários. “Quebra barreiras, porque nunca tivemos esse acesso numa instituição de ensino superior do Estado e me torno o primeiro mestre dentro de uma instituição de ensino superior do Piauí”, relata.
A presença de um indígena evidência a capacidade intelectual dos povos originários e o quanto podem contribuir nos mais diversos setores da sociedade, nos mais diversos lugares que se foram necessários, incluindo a produção científica, acadêmica e a construção de outras histórias e a contribuição na historiografia oficial do estado do Piauí. Ainda mais, formados em nível de pós-graduação, indígenas podem produzir pesquisas a partir de suas próprias questões, crenças e seus costumes. Essa foi a premissa da pesquisa de Sávio.
A dissertação “A Retomada Ancestral do Povo Tabajara Alongá da Comunidade Oiticica, em Piripiri (PI)”, apresenta um estudo auto etnográfico de Sávio sobre o processo de construção identitária e de resistência do povo Tabajara Alongá. O estudo destaca o histórico de silenciamento e repressão sofrido pelos povos indígenas do Piauí com uma perspectiva interna. “Além de uma reparação histórica com os povos originais do Piauí, a pesquisa representa uma nova escrita na Academia Brasileira, na Academia Piauiense, por se tratar da escrita de uma pessoa que vivência no dia a dia a realidade de uma comunidade indígena, de um povo indígena que foi silenciado, invisibilizado por muito tempo, e que hoje faz a retomada da sua identidade”, destaca Sávio.
O trabalho também combate visões estigmatizadas que associam o indígena apenas a características físicas ou a um modo de vida isolado, ressaltando que a ancestralidade, a memória, os costumes e a vivência comunitária são os fundamentos da indianidade. Promover essa desmistificação de seu povo é uma forma que Sávio demonstra por meio de seu trabalho. “Contribuir também para que as pessoas, os não indígenas sobretudo, tenham uma outra visão sobre nós, indígenas. Inclusive, isso pode futuramente fazer com que se tenha menos preconceito em relação à nossa população, já visto que a gente conseguiu esse título tão importante”, ressalta.
Pesquisas como as de Sávio contribuem para combater o apagamento histórico, valorizar a diversidade cultural e de saberes, promover a autonomia dos povos e descolonizar o conhecimento. A ação repara o processo estigmatizante do processo de colonização, permitindo que as comunidades indígenas sejam protagonistas de sua própria história, enriquecendo o ambiente acadêmico com conhecimentos ancestrais. “Isso é uma quebra de paradigmas, porque só vemos outras pessoas escrevendo sobre nós. E hoje essa dissertação representa a escrita da própria população indígena dentro da academia”, destaca Sávio.
Para a professora Carmen Lima, orientadora da pesquisa e coordenadora do PPGAnt, a defesa representa uma conquista simbólica para o programa e para os povos indígenas. “A defesa do cacique Sávio é um marco para o PPGAnt. Criamos as cotas étnicas em 2018 e, somente agora, quase dez anos depois, temos a defesa da dissertação do primeiro indígena que ingressou na pós-graduação da UFPI. Ao mesmo tempo que celebramos, reconhecemos o longo caminho a ser percorrido para que os povos indígenas estejam, de fato, incluídos em nossa Universidade,” enfatiza.
Público na aldeia contempla a defesa de mestrado
A defesa de dissertação de Sávio foi feita remotamente com a banca examinadora, transmitida pelo Google Meet, contando com a presença de docentes, discentes e lideranças indígenas do Piauí, além da vice-diretora do CCHL, Bartira Araújo. A banca examinadora foi composta pela orientadora Carmen Lúcia Silva Lima (PPGAnt/UFPI), pelo professor Raimundo Nonato Ferreira do Nascimento (PPGAnt/UFPI) e pelo professor Carlos Alberto Marinho Cirino (PPGANTS/UFRR), que participou diretamente do território Waimiri Atroari, em Roraima.