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Iniciado primeiro estudo paleobiológico humano realizado na UFPI

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Última atualização em Domingo, 24 de Março de 2019, 16h17

A Profa. Dra. Claudia Cunha, docente da Graduação em Arqueologia e Conservação de Arte Rupestre, da Pós-Graduação em Arqueologia e da Pós-Graduação em Odontologia – todos na Universidade Federal do Piauí (UFPI), coordena o estudo paleobiológico de um indivíduo resgatado no sítio arqueológico de Lagoa Cercada, localizado no município de Colônia do Gurguéia (Piauí, Brasil). O indivíduo ameríndio estudado é proveniente de doação por parte do Sr. Raimundo Nonato Nogueira da Silva, proprietário das terras onde se encontra a gruta necrópole nas ravinas do Morro Solto onde ele foi enterrado. O material encontra-se abrigado no Núcleo de Antropologia Pré-Histórica (NAP) da UFPI.

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Profa. Dra. Claudia Cunha (ao centro) e equipe 

Com formação em Bioarqueologia, área que estuda restos humanos, como esqueletos, múmias, ossos, dentes, etc., a Profa. Claudia Cunha fez o estudo paleobiológico, do material, ou seja, a osteobiografia, que consiste em reconstruir, a partir dos ossos ou do que restar do indivíduo, a identidade dele, a sua história de vida e suas características biológicas, a docente explica como o estudo é realizado.

“A gente procura saber a partir do material que existe qual era o sexo do indivíduo, a faixa etária em que ele morreu, se ele tinha evidências de doenças, de violência, etc. Para além da análise macroscópica, outros estudos laboratoriais dos ossos e dos dentes nos permitem saber a datação desse indivíduo, que tipo de vida ele tinha, o que ele comia, qual a fonte d’água que ele consumiu ao longo da vida, conseguimos até saber se aquele indivíduo nasceu e morreu naquele lugar, ou se ele migrou para aquele lugar ao longo da vida. Então, tem uma série de informações que os restos humanos nos passam no que se refere à biologia do indivíduo. Outro aspecto estudado é a Antropologia Funerária, ou seja, o tratamento ou ritual pelo qual aquele indivíduo passou para chegar até ali”, afirma.

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Crânio articulado com mandíbula do indíviduo resgatado 

O indivíduo estudado foi resgatado em 2013 por populares acompanhados pelo dono da terra onde está o sítio funerário. A Profa. Claudia Cunha esclarece que esse resgate, apesar de ter sido realizado por populares, foi feito com muito cuidado. “Na época não existia bioarqueólogo na Universidade, mas existia uma equipe de Arqueologia coordenada pela Profa. Jacionira Coelho Silva (hoje aposentada) trabalhando na região, que foi contatada pelos moradores. O esqueleto foi doado para a UFPI e desde então ficou no NAP, porque não havia quem o estudasse. Entrei na Universidade em abril deste ano e em outubro comecei a estudá-lo. Nós conseguimos identificar diversos tipos de alterações morfológicas no esqueleto, algumas de cunho patológico, outras decorrentes de fatores ambientais e modo de vida. Trata-se de um indivíduo idoso, do sexo masculino, que apesar de ter uma série de patologias, por incrível que pareça, à época, seria um indivíduo saudável, tanto que conseguiu chegar à terceira idade, o que era mais raro antigamente”, destaca.

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 Sr. Raimundo Nonato Silva (de chapéu), proprietário das terras onde fica o sítio arqueológico; arqueólogo Simplício dos Santos Rocha Jr (em pé à direita) e graduando em Arqueologia Kallio Aécio Oliveira, na gruta necrópole de Lagoa Cercada

Segundo o bolsista de pós-doutorado, CNPQ, no Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da UFPI, Dr. Tiago Tomé, normalmente na Bioarqueologia não são trabalhadas necessariamente as perspectivas do indivíduo, pois o que realmente interessa é a população, buscando compreender como essa população vivia, quais eram as dificuldades que enfrentava. “Em primeira análise, esse indivíduo nos permite reunir dados, que esperamos juntar aos de outros indivíduos, para termos uma imagem dessa população do passado que ocupava essa região do estado do Piauí nesse período. Porque aí nós conseguiremos entender quais são os principais problemas que essa população enfrentava no seu dia a dia”, explica.

O indivíduo encontra-se parcialmente mumificado. A coleta resultou na recuperação do crânio articulado com mandíbula; vértebras cervicais articuladas e demais vértebras e sacro desarticulados; escápula, clavícula, costelas, coxal e esqueleto apendicular todos esquerdos (exceto tíbia, fíbula e ossos do pé ausentes). A mão esquerda está presente e completamente mumificada. Tecidos moles preservados cobrem parcialmente o crânio e clavícula, e completamente o antebraço e mão esquerdos.

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Estudos do restos esqueletais apontam muitas características da população que viveu no passado

Foram recuperados também materiais de adorno (colar com quase 900 contas vegetais inteiras e fragmentos de outras) e indústria em fibras vegetais, inclusive restos de uma rede usada como mortalha foram recuperados. De acordo com a professora, alguns grupos indígenas até hoje fazem enterramento em redes, pois para eles a rede é um elemento de contato com o mundo dos mortos. Uma das interpretações avançadas por antropólogos que estudam populações atuais é de que alguns grupos acreditam que através do punho da rede que o espírito sai do corpo do morto para ir para a aldeia dos mortos, como um canal que liga os dois mundos. Isso explica o motivo do indivíduo ter sido enterrado dessa maneira, aspecto identificado com base na análise de antropologia funerária do material resgatado do sítio.

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Mão esquerda encontra-se totalmente mumificada

De acordo com a Profa. Dra. Sonia Maria Campelo Magalhães, atualmente coordenadora do Núcleo de Antropologia Pré-Histórica da UFPI, instituição de guarda de material arqueológico dentro da Universidade autorizados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), foi encontrado junto aos restos esqueletais uma machadinha de pedra polida, e nas proximidades também foram encontrados outros materiais também polidos. “Ele pode nos trazer pela sua conservação muitas informações valiosas sobre os grupos do passado, sobre doenças e outros aspectos. Ele está no Núcleo desde 2013, o guardamos aqui da mesma forma que ele foi trazido do campo, porque não havia na época nenhum especialista da casa que pudesse fazer o seu estudo. Então nós não permitíamos que ele fosse tocado, modificado, pois seria necessário alguém habilitado para isso. Nós temos o maior respeito por este material, porque primeiramente, trata-se de um ser humano, e segundo, porque só pessoas habilitadas podem fazer uma análise acurada dele”.

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Materiais polidos encontrados junto ao indivíduo

A limpeza a seco do material foi feita segundo protocolo proposto para materiais humanos mumificados. Foram registradas possíveis alterações patológicas na morfologia óssea. A patologia oral e alterações à forma dos dentes também foram avaliadas. Após o término do estudo o material foi acondicionado em embalagens inertes em reserva técnica seguindo o protocolo para curadoria e conservação de restos humanos.

“A extensão do desgaste dentário, a perda de dentes ante mortem e de estrutura óssea em ambas as arcadas, bem como a erupção contínua dos dentes remanescentes provocaram um desvio da mordida para o lado predominante (esquerdo) ao longo dos últimos anos de vida do indivíduo. Isto pode ter sido acentuado pela tentativa de evitar a mastigação com o uso do canino e primeiro pré-molar direitos afetados por doença periapical. Percebe-se que os marcadores de alterações degenerativas no esqueleto estão localizados em áreas específicas, em função da extensão dos movimentos das articulações como por exemplo nos corpos vertebrais e nas articulações coxofemural e glenoumeral. Estas alterações são compatíveis com a idade provavelmente avançada do indivíduo, o desgaste da cartilagem articular e o esforço físico da vida em uma comunidade Pré-contato. Em termos de patologia traumática a única evidência observada resume-se à fratura remodelada da segunda costela esquerda”, detalha a pesquisadora.

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Diversas patologias puderam ser identicadas no material coletado

Essas informações foram apresentadas recentemente em um congresso realizado em Portugal e é o primeiro estudo paleobiológico feito por profissionais da UFPI. “Nós voltaremos à gruta que ele foi encontrado, provavelmente em abril, e retomaremos as escavações em busca de mais materiais deste enterramento e de outras possíveis sepulturas na gruta. Estamos também com um projeto de pesquisa em São Miguel do Tapuio, para escavar mais duas grutas-necrópole”, finaliza a Profa. Claudia Cunha.

Confira a matéria:

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