Anfíbios Anuros: a importância da bioacústica dos Sapos

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Última atualização em Domingo, 24 de Março de 2019, 16h17

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Livro “Bioacústica dos Anfíbios Anuros do Centro-Sul do Piauí”

Imagine uma noite de verão piauiense, período da estação chuvosa em boa parte do estado, onde o ar encontra-se úmido e você no descanso do lar escuta um vibrante coaxar (som) de sapos, que pode ser percebido a longas distâncias. Coaxas tão fáceis de serem percebidos, mas que estão se tornando cada dia mais raros, nos fazem questionar: o que aconteceria se os sapos se extinguissem do planeta?

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Prof. Dr. Mauro Lima

Segundo o Prof. Dr. Mauro Lima, Diretor do Campus Universitário Amílcar Ferreira Sobral (CAFS) e um dos autores do livro “Bioacústica dos Anfíbios Anuros do Centro-Sul do Piauí”, a vida no planeta é mantida a partir de uma intrincada e complexa teia de interações entre os seres vivos e destes com seu meio. Qualquer elo dessa teia que se perde, pode gerar um efeito em cadeia de proporções desconhecidas, mas certamente desastrosas, inclusive para nossa subsistência.

“Os anfíbios são importantes predadores de invertebrados (muitos desses podem ser pragas agrícolas, vetores de doenças aos humanos e suas criações – há um pensamento atual, por exemplo, de que o surto de febre amarela que está acontecendo tenha surgido com o declínio local dos anuros, devido ao desastre de Mariana, fato de difícil comprovação, mas perfeitamente plausível), além deles próprios serem importantes fontes de alimento para outros animais na teia trófica [teia alimentar]. A falta desse elo pode causar um sério desequilíbrio como o aumento de pragas e vetores (como moscas, mosquitos, gafanhotos, etc.) e uma diminuição de espécies predadoras ou mesmo mudança dessas para o meio urbano em busca do alimento que antes era suprido pelas populações de anuros”, afirma o professor.

Os sapos são muito vulneráveis a mudanças climáticas e quase metade das espécies estão ameaçadas de extinção, por causa da diminuição da biodiversidade e da ação descuidada do homem, fatores que interferem na diversidade como um todo.

“Os anfíbios são especialmente vulneráveis a pesticidas e fertilizantes usados em larga escala e que são lixiviados para corpos hídricos. A perda de hábitat é outro importante fator, se não o principal, no declínio de anuros. Desflorestamentos, invasão de áreas de proteção permanente como matas ciliares, drenagem de brejos para formação de pastagens e plantios diversos, além de prejudicarem a própria qualidade e quantidade de água, elimina importantes hábitats desse grupo. O que é uma via de mão dupla, uma vez que os anfíbios, como dito antes, são importantes controladores de pragas agrícolas. Logo, seu declínio, e mesmo eliminação de muitas espécies menos resistentes, pode levar ao ciclo vicioso e financeiramente inviável de se usar mais e mais agrotóxicos”.

Além disso, o fator cultural também contribui para que a queda desses animais se acentue ainda mais, pois os anfíbios são ainda considerados animais “nojentos” pela maioria da população. Para tentar desconstruir esta imagem “maléfica” relacionada aos anfíbios, Mauro Lima explica que o “Bioacústica dos Anfíbios Anuros do Centro-Sul do Piauí”, traz o registro de 30 espécies e seus respectivos cantos que ajudará no preenchimento dessa lacuna.

“O livro traz a possibilidade de ser utilizado de forma lúdica na educação formal das séries iniciais de forma a criar nos futuros adultos empatia com um grupo tão importante e, ainda assim, discriminado. Afinal, uma pessoa que é capaz de romper esse preconceito e lutar pela preservação de um sapo, será um grande conservacionista de toda a megadiversidade que temos no Brasil.  “Além disso, o canto dos anuros é uma importante ferramenta de identificação das espécies. Podendo ser útil, por exemplo, no monitoramento de espécies em cumprimento à legislação ambiental de instalação de empreendimentos potencialmente poluidores”, explica.

Os anfíbios anuros são animais vertebrados conhecidos popularmente como sapos, rãs e pererecas, que representam as espécies da ordem Anura. Até o momento foram encontradas 35 espécies de anfíbios distribuídas em 15 gêneros e seis famílias no centro-sul do Piauí.

“Anfíbios, de modo geral, concentram suas atividades reprodutivas durante os meses de chuva, condição essencial para animais de pele permeável. Devido à própria condição ambiental da região, com períodos de chuva concentrados entre os meses de novembro a março, as espécies que ocorrem no Piauí possuem comportamento de reprodução explosiva, isto é, muitas espécies se concentram em poucas noites na atividade reprodutiva ficando inativas durante o período de estiagem. Mas muitas espécies mais generalistas também ocorrem na região, sendo encontradas durante toda a época das chuvas. Durante a estação seca estes ficam escondidos, geralmente em tocas sob o solo onde as condições de umidade e temperatura permitem sua subsistência até que possam voltar à atividade”.

A importância das vocalizações

De acordo com o pesquisador, as vocalizações são importantes para evitar que espécies diferentes se acasalem, formando híbridos. “As vocalizações integram parte da interação intraespecífica das espécies. Apenas os machos vocalizam, sendo o tipo de canto mais comum aquele usado pelo macho para atrair fêmeas durante o período reprodutivo. Esse canto serve para a fêmea avaliar e escolher um macho entre outros que vocalizam no coro. Essa escolha é feita a partir de atributos do macho que o canto pode transmitir, como tamanho e vigor que denotam a qualidade genética do indivíduo. Além disso, o canto de cada espécie é específico, ou seja, a fêmea só consegue reconhecer o canto de sua espécie e por ele é atraída, o que serve como um isolamento reprodutivo que diminui a chance de cruzamento interespecífico (entre espécies distintas) o que pode representar, na verdade, perda de esforço e energia”, comenta.

O professor complementa que além do canto mais comum que serve à atração de parceiras para reprodução, existem outros tipos de canto. “Existe o canto de agonia, emitido quando o indivíduo sente-se acuado ou está sendo predado; o canto territorial, onde um macho informa a outro que porventura tenha invadido seu território; “canto de chuva” emitido antes de chuvas esporádicas, mesmo que fora do período reprodutivo e de função não conhecida”.   

Anfíbios e propriedades farmacologias

Algumas substâncias podem ser utilizadas para desenvolvimento de medicamentos. Segundo Mauro Lima, nos anfíbios anuros existe um grande potencial farmacológico nas diversas secreções produzidas pelas glândulas cutâneas das espécies. “Existe, por exemplo, um estudo sendo feito com a toxina de Brachycephalus ephippium (sapinho-pingo-de-ouro) para o tratamento do alzheimer. Outros exemplos são: substâncias que aumentam a imunidade, colas cirúrgicas, tratamento para diabetes, câncer, antifúngicos e substitutos para a morfina, etc. Entretanto, o conhecimento sobre a anurofauna neotropical é incipiente, mais ainda quando abordamos as regiões de Cerrado e Caatinga”, finaliza.